Espuma para Incêndios da Classe “A”
Um estudo de aplicação

Eng. Anastácio Ribeiro Madeira Campos Júnior
Chegando a época da seca e dos incêndios em matas,
o conhecimento sobre espuma Classe “A”
se apresenta como oportuno
Introdução

A chegada ao Brasil do Silv-Ex, um agente extintor desenvolvido especificamente para a Classe A (Incêndios estruturais, florestais, etc..) abre uma nova perspectiva de combate a este tipo de incêndios e proporciona tanto aos diretamente envolvidos no combate ao fogo, como aos responsáveis pela proteção do patrimônio uma ferramenta adicional a utilizar. O objetivo deste artigo é trazer ao leitor informações o ajudem a conhecer melhor este novo auxiliar no combate a incêndio.

Combatendo incêndios da classe “A”

Desde os tempos mais remotos, o principal método de extinção de incêndios da classe A tem sido lançar sobre o combustível em chamas certa quantidade de água. Este método, substituindo-se os baldes de então por equipamentos mais apropriados, como mangueiras e esguichos, permanece até os dias atuais como o mais adotado em combate a incêndios envolvendo vegetação, construções em geral, depósitos a céu aberto, etc. e, inegavelmente, na maioria das vezes, funciona.

O princípio básico da extinção de incêndios da classe A reside na redução da temperatura do combustível de modo a reduzir ou eliminar a geração de vapores e gases inflamáveis. A eficácia de um agente extintor como meio refrigerante irá depender de seu calor latente, bem como de seu ponto de ebulição. As características da água quanto a estas solicitações, bem como sua disponibilidade, fazem-na um excelente agente.

A velocidade da extinção irá depender do grau de cobertura obtido e da forma como a água é aplicada, uma vez que a absorção do calor é proporcional à superfície exposta da água, influenciando na quantidade de água que será utilizada. Entretanto, embora a água tenha se mostrado um agente extintor eficaz - ou seja, é possível a extinção de incêndios com seu uso - isto não implica que todo o seu potencial esteja sendo utilizado. Diversos fatores irão influenciar em seu desempenho. Um estudo realizado por Walter Haesler (NFPA - The Extinguishment of Fire), mostrou que um jato de água absorve, na prática, apenas entre 5% e 10% do calor que poderia se obtivéssemos o rendimento máximo teórico.

Uma das razões de tal perda de rendimento é que a forma utilizada (jato) apresenta uma superfície exposta relativamente pequena, comparado ao volume de água lançada. O lançamento de água nebulizada apresenta maior eficiência que o jato pleno, em função da maior superfície exposta, quando aplicada em forma de gotas. Outro fator que influencia na eficiência da água é o fato de a água possuir uma tensão superficial elevada, fazendo com que a mesma escorra pelas superfícies, sob ação da força de gravidade, afastando-se assim do ponto onde é mais necessária. A maior parte nunca chega a atingir o foco do incêndio.

Na busca do aumento de eficiência da água, chegou-se ao uso da espuma para combate a incêndio da classe A. O desenvolvimento e aplicação deste material tem recebido considerável atenção nos últimos anos. Acredita-se que esta tecnologia representa o marco de uma nova fase na evolução do combate a este tipo de incêndio.

O conceito em si não é novo e é bastante simples. A adição de um concentrado à água irá formar uma solução que, quando aplicada, irá espalhar-se, umectar e aumentar a capacidade de absorção do calor em um tempo mais curto que o da água pura. Foram feitas diversas tentativas com produtos variados ao longo do tempo até chegar aos atuais concentrados para combate a incêndio da classe A, como o Silv-Ex - o mais conhecido e utilizado deste tipo de agente - e cujos dados foram utilizados na elaboração deste artigo.

O concentrado para incêndio da classe A

O concentrado para incêndios da classe A é formado a partir de agentes tensoativos hidrocarbonados que potencializam as propriedades de extinção da água. Quando adicionados à água, em proporções que variam de 0,1% (1 litro de concentrado para 1.000 litros de água) a 1,0% (10 litros de concentrado para 1.000 litros de água), forma uma solução que possui baixa tensão superficial e, devido a isto, maior capacidade de umectação e penetração, como pode ser verificado no gráfico ao lado.

O aumento da umidade dificulta o início da combustão do material, uma vez que a água impregnada irá absorver parte do calor, antes que o combustível comece a queimar.

As gotas de água irão também ter uma maior capacidade de espalhamento, aumentando a superfície exposta e, conseqüentemente, melhorando a capacidade de absorção de calor.

A solução formada, embora tenha aplicação em diversas situações, como veremos adiante, ainda apresenta algumas deficiências para outras, como no caso de incêndios em estruturas tridimensionais onde, além das características expostas anteriormente, deseja-se uma certa aderência à superfícies verticais, não obtida com a solução como descrita acima.

A espuma

A solução deste problema é obtida pela adição de ar à mistura água-concentrado. Com a incorporação do ar à solução, através de algum meio mecânico, é formado um colchão de espuma cujas bolhas proporcionam uma maior aderência às superfícies verticais.

A aderência da espuma mantém a água na estrutura tridimensional e sua expansão aumenta ainda mais a superfície exposta, proporcionando maior eficiência na troca de calor e conseqüentemente uma maior capacidade de resfriamento na área.

Adicionalmente, por possuir menor fluidez que a água ou solução, a espuma permanece por mais tempo no local onde é aplicada, formando um colchão que isola a superfície do contato com o ar e exercendo uma ação de selagem dos vapores inflamáveis emanados, acelerando o tempo de extinção.

O aspecto da espuma, bem como a sua performance, é fortemente influenciado pela proporção de concentrado adicionado à água e pelo tipo de equipamento utilizado em sua formação, fazendo-se, portanto, necessário que se conheça a características da espuma desejada e os meios que podem ser utilizados para obtê-la.

Características das espumas

Expansão

Expansão de uma espuma é a relação existente entre o volume da solução após a incorporação de ar e o volume anterior do líquido. Normalmente é expresso na forma 5:1 ou expansão 5, por exemplo, se um volume de 10 ml de solução transformou-se, após a incorporação de ar em 50 ml de espuma. Diferentes equipamentos produzem expansão diferente e o valor ideal irá variar em função da aplicação.

Drenagem

Após a expansão, a espuma não permanece com o ar incorporado. Ao longo do tempo as bolhas irão se desmanchando e a espuma voltará à forma de solução. Chamamos de tempo de drenagem de 25% ao tempo transcorrido entre o momento em que a espuma é formada e aquele no qual 25% da solução utilizada retornou à forma líquida. Da mesma forma que a expansão, este tempo varia em função do sistema aplicador e seu valor ideal depende da aplicação desejada.
Para avaliação da qualidade de um concentrado existem padrões que devem ser seguidos quando da geração da espuma, de modo a assegurarmos a repetitibilidade e podermos comparar os produtos. Estes testes são previstos na norma NFPA-298 e, além destes parâmetros, incluem também: corrosividade, biodegradabilidade e toxicidade, visando estabelecer parâmetros mínimos que garantam proteção aos equipamentos, ao meio ambiente e aos usuários respectivamente.



Proporcionamento

Conforme comentado anteriormente, a expansão e o tempo de drenagem de uma espuma são bastante variados e dependem, além da qualidade do concentrado, da dosagem e do equipamento aplicador. A dosagem é, geralmente, realizada por meio de equipamentos conhecidos como “proporcionadores”. Esta dosagem é expressa em percentuais e, normalmente, referida como proporcionamento. Assim, proporcionar uma espuma a 0,5% significa adicionar 0,5 partes do concentrado a 99,5 partes de água.

Entre os diversos modos de efetuar o proporcionamento, os mais comuns são:

Pré-mistura

Sistema utilizado em pequenos volumes de água, como os extintores, ou em situações onde não há um fluxo constante de água, como os tanques de aeronaves utilizadas no combate a incêndios florestais ou, ainda, na falta de equipamentos proporcionadores, como no caso de um caminhão tanque que não possua tal dispositivo. A desvantagem deste método é que toda a água do reservatório é transformada em solução, nem sempre necessária e representando um consumo adicional de concentrado.

Edutor de Linha

É utilizado para dosagem de um concentrado a partir um tanque atmosférico ou diretamente da embalagem do produto. São desenvolvidos para uso em uma vazão específica, exigindo cuidados quando utilizados com esguichos de vazão variável. Este tipo de proporcionador possui elevada perda de carga associada ao seu funcionamento (entre 30% e 40%) e requer uma elevada pressão de trabalho para apresentar bom desempenho. Todavia, quando as condições de vazão e pressão podem ser atendidas, esta é uma solução econômica de proporcionamento.

Tanque diafragma

Consiste em um tanque onde um bolsão de material, tipo PVC, é colocado internamente, recebendo o concentrado no seu interior. Devido à pressão da água, injetada dentro do tanque, este bolsão é comprimido, introduzindo o concentrado na linha d’água. Uma placa de orifício convenientemente dimensionada regula o fluxo de modo a garantir a dosagem adequada. A principal desvantagem deste sistema é não permitir sua recarga durante sua operação.

Sistema de pressão balanceada - injeção direta

Este sistema consiste em uma bomba que injeta o concentrado na linha d’água, em um ponto posterior ao das bombas de adução. O maior inconveniente deste sistema é o custo. No entanto, para espumas da classe A, onde as dosagens de concentrado são muito pequenas (0,1% a 1,0%), este custo não chega a ser proibitivo.

Sistemas geradores de espuma

Após a formação da solução (proporcionamento) o passo seguinte é a geração da espuma, pela incorporação de ar. A escolha do equipamento a utilizar será ditada pelo volume desejado, tipo de aplicação e acesso ao local do incêndio, entre outros fatores. Os sistemas mais comuns são comentados a seguir.

Aeronaves/helicópteros

São utilizados, fundamentalmente, em incêndios de grandes proporções, como florestas, ou em locais onde o acesso por outros meios é difícil ou envolve riscos inaceitáveis.
O proporcionamento é efetuado por pré-mistura e a expansão da espuma é obtida pela turbulência no ar, após o lançamento da solução. A expansão obtida nestes sistemas situa-se na ordem de 10:1 a 15:1.

Esguichos sem aspiração de ar

Produzem uma espuma de baixa expansão, na ordem de 2:1 a 5:1 e com tempo de drenagem bastante rápido. Utilizados com um padrão de jato em neblina são excelentes para combate a incêndios em materiais combustíveis compactos, em edificações (quando interessa aumentar a troca de calor) e em rescaldos.

Esguichos com aspiração de ar

Produzem espuma com expansão de 5:1 até 200:1, dependendo do seu projeto. A espuma obtida por este sistema, principalmente quando com expansão na faixa de 5:1 a 10:1, são excelentes para o ataque direto a incêndios em edificações. Um esguicho de grande volume é recomendado para melhorar o alcance e volume lançado. Com média expansão (20:1 a 200:1), não é indicado para ataque direto, mas pode ser utilizada para inundar ambientes de difícil acesso, como as galerias de uma mina ou subsolos em edifícios.

Equipamentos com injeção de ar

Os equipamentos geradores de espuma com injeção de ar representam uma evolução no processo de formação de espuma. Incluem, além do proporcionador, um compressor que injeta ar comprimido na linha formando a espuma ao longo do trajeto das mangueiras e tubulações. A aplicação é efetuada por meio de esguichos sem aspiração de ar, uma vez que a espuma já se encontra formada.

Como a espuma atua

O diagrama abaixo ilustra os mecanismos acionados com o uso da espuma:


1 - O colchão de espuma, aderindo às superfícies, forma uma barreira que, inclusive devido a sua cor, reflete o calor e diminui a propagação do calor.
2 - A solução, drenando da espuma, penetra nos materiais umectando-os e retardando sua combustão.
3 - A solução penetra nos materiais combustíveis resfriando-os e reduzindo a sua combustibilidade. 4 - O colchão de espuma isola o combustível do ar e reduz a emissão de vapores inflamáveis, funcionando também como um reservatório de água.
5 - Com o aumento da superfície exposta, a eficiência da troca de calor é aumentada, contribuindo para maior eficiência.

É importante notar que estes efeitos estão associados às características da espuma formada. Dependendo da situação é desejada uma espuma mais ou menos fluida, com maior ou menor expansão, etc., de modo a otimizar a utilização da água em um combate específico. É conveniente ter em mente que é a água que efetivamente extingue o fogo. A função do concentrado é implementar sua performance agregando características que permitam a redução do volume de água utilizado.

Aplicações

Uso florestal

O concentrado para classe A permite aos bombeiros uma melhor utilização da água, tanto em combate ao incêndio como no uso de medidas defensivas reduzindo os danos causados pelo incêndio. Sua aplicação, dependendo do objetivo pode ser efetuada de equipamentos portáteis a aeronaves apropriadas para o combate a incêndios florestais.

A água penetrará melhor no material combustível ao mesmo tempo em que a espuma, sobre a copa das árvores, funciona como barreira isolante e um reservatório de água que, com a drenagem irá aumentar o nível de umidade na área, reduzindo a velocidade de propagação do incêndio.

Uso na mineração

Independente de o incêndio ser superficial ou subterrâneo, o concentrado para classe A é um excelente aditivo no combate.

Na superfície, o colchão de espuma cria um efeito de abafamento e devido a suas características de umectação e penetração permitem uma melhor ação de resfriamento.

Os incêndios subterrâneos podem ser controlados pela injeção de espuma, por meio de equipamentos apropriados, inundando a área da mina com um colchão de espuma com alta-expansão.

Uso urbano

A adição de concentrados entre 0,1% e 1,0% torna a água até cinco vezes mais eficiente que a água pura, garantindo maior eficiência no combate.

Este aumento de eficiência implica em uma redução do consumo de água e, conseqüentemente, dos danos causados ao patrimônio pela água usada no combate. A capacidade de aderir às superfícies verticais pode ser usada para impedir a propagação do fogo para áreas ou edificações vizinhas.

Uso na indústria

O concentrado classe A pode ser aplicado por sistema portáteis ou fixos, inclusive pela rede de “sprinklers” e tem eficiência no combate a incêndios em áreas de armazenagem de papel e celulose, tecidos, pneus e qualquer outro tipo de combustível da classe A.

A rede de “sprinklers” pode facilmente ser adaptada para utilização do concentrado, bastando adicionar um proporcionador de, relativamente, baixo custo.

Vantagens do Uso da Espuma Classe A

  • Numerosos testes realizados nos Estados Unidos, usando ambientes que simulam situação real de incêndio em estruturas, demonstraram que a velocidade de controle das chamas usando espuma é consideravelmente maior que o obtido com o uso de água bruta. Algo entre três a cinco vezes mais rápido.


  • A taxa de aplicação com o uso do agente é significativamente menor e o volume de água utilizado para a extinção é bem inferior ao necessário quando não ocorre a adição do agente.


  • O uso do concentrado Classe A se mostra uma alternativa interessante para uso em redes de “sprinklers”, principalmente quando existam limitações com relação à disponibilidade de água.


  • O concentrado para Classe A pode ser aplicado por meio dos equipamentos existentes, não exigindo investimentos significativos para seu uso.


  • O uso de concentrado para a Classe A reduz os danos causados pela água durante o combate, uma vez que menor volume de água será utilizado.


  • A vida útil de um concentrado Classe A, como Silv-Ex, é de 20 a 25 anos.


  • O uso de espuma, facilita o combate na medida em que permite uma melhor visualização da aplicação do agente no local.


  • Testes com espumas da classe A

    Embora não seja muito difundido no Brasil, o uso de espuma no combate a incêndios da classe A está se consolidando como o mais eficiente método de combate a este tipo de incêndio. Testes realizados ao longo dos últimos 10 anos mostram que:

  • O tempo requerido para a extinção de incêndios classe A usando espuma é consideravelmente menor que usando apenas água pura, na ordem de 4 a 6 vezes mais rápido.


  • A taxa de aplicação com o agente é significativamente menor e, conseqüentemente o consumo de água.


  • Uma barreira de espuma, aplicada sobre determinado material ainda sem chamas, proporciona excelente proteção, retardando, ou mesmo impedindo, a irrupção das chamas.

  • Testes realizados em Salem, Connecticut (USA), relatados por Dominic Colleti (Fire Engineering Fev/93 - “Quantifying the Effects of Class A Foam in Structure Firefighting - The Salen Tests), mostraram o aumento substancial na capacidade de absorção de calor da espuma, produzida com equipamento com aspiração de ar e com equipamento de injeção de ar comprimido, quando comparado com a água pura.

    Para reduzir a temperatura ambiente a 100ºC, o consumo de água foi 49 litros usando equipamentos com injeção de ar comprimido, 129 litros usando equipamento com aspiração de ar e 280 litros quando utilizada apenas água pura. O senso comum indica também que, em função do menor volume de água utilizado, os danos causados por esta são bem menores. A emissão de vapores, devido a camada isolante formada pelo colchão de espuma, também será menor.

    Outros teste, como o realizado em Camp Vernon (CAN) por Bruce Edwards (Fire Engineering - Março/94 - “The Camp Vernon Tests”), mostram a eficiência do uso de espuma comparado ao da água. O gráfico mostra a quantidade necessária para extinção em função da vazão utilizada em uma grade da norma UL-711.

    Nota-se que a taxa crítica de aplicação, vazão a partir da qual não se consegue a extinção, com o uso da espuma é a metade da água pura. Nota-se, também, que a uma mesma vazão, o consumo total é consideravelmente menor, implicando em uma redução do tempo na proporção direta.

    Conclusão:

    A espuma para combate a incêndio classe A é uma realidade em países como Estados Unidos, Canadá, Austrália, França e muitos outros e temos razões para acreditar que a difusão do seu uso no Brasil irá contribuir para minimizar os danos causados pelos incêndios ao meio-ambiente, às propriedades e, principalmente, à vida.

    A chegada do Silv-Ex ao Brasil representa a possibilidade de acesso a uma ferramenta adicional para nossos bombeiros e a certeza de que, melhores equipados, teremos a oportunidade de contribuir na redução dos números trágicos que são contabilizados a cada ano - hectares de florestas devastadas, patrimônios construídos ao longo de anos e destruídos em segundos, preservar o meio-ambiente, proteger vidas humanas e promover uma melhor qualidade de vida.

    Bibliografia

    NFPA-298

    Fire Engineering - Publicação mensal de PennWell Publishing Co.

    Silv-Ex - Technical Data Sheet - Ansul Fire Protection

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    Iniciado em 06 jun 2006

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